sábado, julho 28, 2007

As notícias


Depois de abrir o jornal durante a última semana, ligar a televisão, ouvir, ler e falar sobre o acidente aéreo, uma criança perguntou-me se todas as pessoas que tinham uma vida legal estavam naquele avião.

As crianças sempre perguntam coisas complicadas de responder, complicadas porque são importantes. E nós adultos não sabemos bem o que é importante, nós sabemos correr, correr, trabalhar, fazer tudo com pressa e eficiência. Com stress, estamos atrás de resultado, de vantagens, atrás das coisas que dizem ser importantes ter.

Pensei, e supondo que responderia de forma convincente, reuni todos em uma roda, como eles tem idades entre dois e doze anos, escolhi as palavras:

- Bem pessoal, todas as pessoas tem coisas legais na sua vida, coisas bonitas que fazem, que gostam. Todas pessoas dedicam-se, cuidam, amam, protegem, fazem coisas importantes e são importantes para as suas famílias.

- E só depois que a gente morre que fica sabendo?

- Todo mundo sabe, antes das pessoas morrerem que elas são especiais. Só que quando elas morrem, ainda mais de uma forma tão triste, é que contam as histórias das pessoas.

-E dá pra morrer alegre?

- Acho que quando a gente está velhinho, viveu uma vida feliz, dá para morrer alegre.

-Quem cuida das pessoas para elas ficarem velhinhas?

-Como assim? Cuida quando ficam velhinhas?

-Não, cuida para que elas fiquem velhinhas, para elas não morrerem tristes, de acidente, de tiro?

Eu sabia que à partir daí seria cada vez mais difícil responder, qual a resposta certa? Quem cuida quando é criança e jovem é a familia, depois cada um cuida de sí?

Deus cuida de todos, e cada um cuida para que os seus entes queridos estejam bem ?O cuidado é individual, é familiar?

-Cuidar para que todos fiquem velhinhos, dá um trabalho e tanto para todos. Para Deus, para as famílias, para a comunidade, porque tem as doenças, as guerras, os acidentes que não podem ser evitados, coisas que não vamos poder resolver, e pessoas vão morrer antes de ficarem velhinhas.

- Então vamos contar as vidas legais antes delas morrerem.

As crianças em suas capas protetoras de infância de classe média, pensaram em uma forma de perpetuar as vidas legais, contando sobre estas vidas antes delas acabarem.

Talvez se soubéssemos junto com todas as baixarias com as quais somos bombardeados diáriamente, que as vidas comuns, dos anônimos dos elevadores, dos que correm como nós atrás do pão nosso de cada dia, dos que trabalham, envolvem-se, cuidam, sentem dor e alegria, vendem jornal na esquina, lutam por suas causas, amam seus filhos, tem planos e projetos para o futuro, se soubéssemos destas vidas antes do avião cair, do tiro pegar, do atropelamento, da morte.

Talvez mais de nós ficassemos velhinhos. Talvez as crianças pudessem crêr em adultos, talvez os adultos pudessem ser modelos.

Talvez se falarmos e escrevermos sobre vidas "legais" de crianças e adultos poderiamos ter um alento. Imaginem abrir um jornal e ler sobre a vida de um político correto, vivo que sirva de modelo.

Ler sobre um empresário que não esteja envolvido em corrupção, não tenha sido seqüestrado.

Ler sobre uma criança que não esteja em situação de miséria, de abandono e de descaso.

A palavra escrita, as imagens, são agentes poderosos de perpetuação de uma situação ou de sua transformação.

Fazer a vida dar mais ibope que a morte é tarefa difícil. Talvez seja só para os que quiserem cuidar da infância.

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