segunda-feira, abril 21, 2008

A cegueira


De tempos em tempos, somos mobilizados por algumas notícias. Algumas coisas, nessas notícias, mexem com sentimentos coletivos. Parece que elas lembram que estamos vivos, vivemos em comunidade, precisamos cuidar uns dos outros, somos responsáveis por alguém. Esquecemos por um momento nossos umbigos doloridos e pensamos nos problemas que não são nossos.

Quando essas notícias envolvem crianças, geralmente são essas manchetes que mais chocam, percebemos que alguns problemas são de todos. A infância, as crianças, seriam responsabilidade de adultos, de cuidadores, da sociedade.

Todos, individualmente e coletivamente, deveriamos cuidar. Cuidar de uma e de todas crianças. Tudo que passa pelo coletivo e supõe uma ação da comunidade, do indivíduo e de seu espaço de pertencimento, gera comoção.

Principalmente quando percebemos que falhamos nesse cuidado.

E, é importante frisar, já não falhamos só no cuidado da criança de rua, em situação de abandono, ou no cuidado da criança invisível pela sua miséria e falta de acesso. Já não conseguimos mais cuidar da criança limpinha, moradora do condomínio de classe média, que é vista feliz em centenas de fotos.

Quando falhamos com essa criança, e isso é revelado, ficamos em pânico. Queremos punir os responsáveis para sentir vingadas nossas falhas.

Essa criança tem tudo. É vista e ouvida por todos.

E todos, somos nós, já tão acostumados a não enxergar mais no sinal a criança que esmola.

A não enxergar mais a criança que estende a mão na rua.

A não enxergar mais a criança na sala de casa, perdida em seu mundo perfeito do quarto de dormir, calada por seus brinquedos de última geração.

Não enxergamos mais as crianças, elas são dependentes, e, em um mundo no qual não temos tempo para nada, ter alguém que dependa da gente para tudo, é algo inmaginável.

Não enxergamos mais as crianças, elas são agitadas, estão sempre se movimentando, perguntando, questionando. Passar o tempo cuidando, educando, respondendo, repetindo, é tarefa para poucos.

Não enxergamos mais as crianças, criamos espaços arquitetônicos coloridos e confortáveis para mante-las longe de nossa vista.

Não enxergamos mais nossas crianças, suas roupas são iguais as nossas, o amadurecimento delas não implica mais em nosso envelhecimento, podemos ser sempre jovens agora.

Quando, de alguma forma, alguém mostra que: crianças podem ser descartáveis. Realizando desejos que passeiam silenciosamente nos quartos mais escuros, das mentes dos indivíduos e da sociedade; ficamos chocados, pensando o quanto fomos longe na nossa cegueira.

Talvez, agora, fiquemos esperando o próximo ato.
Talvez um pouco mais atentos....

4 comentários:

Helio Eudoro disse...

Muito legal o seu blog. Obrigado pelo convite. Eu tenho vários "posts" falando sobre a infância no meu blog "Arcanos". Vou buscar alguns deles para te passar e fique a vontade de publica-los, okay?

Helio Eudoro disse...

http://arcanosxarquetipos.blogspot.com/2008/02/anfbio-marinho.html.

Helio Eudoro disse...

http://arcanosxarquetipos.blogspot.com/2007/06/o-chiclete.html

Helio Eudoro disse...

http://arcanosxarquetipos.blogspot.com/2004/12/castelos-de-areia.html