A propaganda do OMO

Tudo que é feito para a criança, ou pensando na criança parte de um olhar adulto. As propagandas com certeza são a tradução desse olhar.
Foi uma sensível surpresa a propaganda que ví uma única vez, uma noite dessas.
Um robozinho triste em um canto da casa, vê a porta abrir e um cachorro entrar, o cachorro sacode os pêlos e os respingos sujam o robô.
A água suja que toca a lata limpa do robô faz com que este saia da casa para aventurar-se na rua.

A medida em que o robô sente, experimenta, suja seus componentes, ele transforma-se em um menino, feliz molhado e sujinho que depois o Omo vai limpar.
Em um mundo pensado de forma clean, sem muitas possibilidades de sujeira para as bem- aventuradas crianças urbanas de classe média, com um lazer totalmente limpo, onde o plástico e o artificial predominam como materiais básicos para todos os brinquedos.

O maior risco que as crianças correm é de contaminação por chumbo nas tintas utilizadas na pintura destes.

Mas, contaminação não é visível, não suja a roupa ou arranha a pele.
Como “garantir às crianças a plenitude de sua infância”?
Pinóchio humanizou-se após sair da tutela de Gepeto, não dar ouvidos ao grilo falante, depois de provar um pouco da malícia das ruas e passar por provas duras, talvez lá pelos sete anos ele tenha tornado-se um ser humano, não sem ajuda da fada e da procura de seu pai.
Não é de hoje que as crianças são vistas como seres que ainda não são humanos, por serem diferentes dos adultos.
Para torna-las parecidas com os adultos é necessário cortar a infância, restrigir os movimentos, com brinquedos cada vez mais prontos, estimulantes e pedagógicos.

O estímulo deve vir na medida, na cor e na textura idealizada pelo adulto.
Sujar-se significa testar possibilidades com a terra, a areia, com pedras, gravetos, tinta, testar mais uma vez, provar, tentar, improvisar.
Sujar significa sair do ambiente totalmente controlado do play-ground e entrar em um mundo rico de experiências não controladas pelo adulto.
Portanto é mais prático e confortável o robô limpinho no canto da sala.
Um robô, que vive uma infância sem a memória do brincar descompromissado, um brincar sem sujar-se, sem a possibilidade de criar por que tudo já é pronto e limpo.
Uma infância sem a rua, a chuva, a lama, sem a chance de OMO algum limpar .